Um sistema de pagamentos independente está sendo desenvolvido para mediar o comércio entre o BRICS, grupo de países de mercados emergentes do Sul Global composto por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e suas recentes adesões — Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes.
A iniciativa foi especialmente incentivada pela Rússia, que tem sofrido sanções econômicas e pressão política dos Estados Unidos desde o início da invasão à Ucrânia, em 2022.
A China e a África do Sul também foram alvos de sanções do país nos últimos anos — em 2023, por exemplo, proibiu-se a compra de semicondutores e outros equipamentos pela China, conforme noticiou o The Economist, o que afetou seu setor de tecnologia.
No ano passado, durante a cúpula do BRICS na África do Sul, não houve discussão centrada na criação de uma moeda específica do bloco, mas o interesse pela desdolarização já existia entre as potências.
O sistema de pagamentos de que se fala agora deve contar com tecnologia blockchain (um banco de dados que permite o registro de transações e ativos numa rede descentralizada e segura) e vai utilizar criptomoedas para as suas transações. Seu objetivo é servir como uma alternativa à "geopolítica do dólar" — hoje a moeda de referência internacional.
Desde o fim do Acordo de Bretton Woods, na década de 1970, o sistema monetário internacional atua sob o padrão do dólar-flexível (não atrelado a uma taxa de conversibilidade fixa, como fora antes no padrão-ouro).
De acordo com Marcelo Pereira Fernandes, professor de economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), os Estados Unidos, sob o regime do dólar, possuem uma capacidade sem precedentes de influenciar a economia mundial — por diversas vezes, por exemplo, os EUA foram capazes de financiar seus déficits externos via emissão da própria moeda.
Controlar a moeda de referência do sistema monetário internacional é dominar espaços privilegiados na geopolítica mundial, e Putin quer superar a submissão ao dólar — e as desavenças com a potência do Hemisfério Norte — a partir dessa iniciativa ousada de soberania financeira, como descreveu ao The Moscow Times.
"Estamos trabalhando no desenvolvimento de um sistema de pagamentos independente não sujeito a pressão política, abusos e interferência de sanções externas", disse Putin durante o Fórum Mundial de Economia Internacional, em que discursou durante uma hora sobre a economia russa.
De acordo com a estatal russa de comunicação Tass, o assessor da presidência, Yury Ushakov, confirmou que o projeto está em andamento.
Se concretizada, a iniciativa vai criar uma plataforma para o comércio multilateral transfronteiriço entre os BRICS, com pagamentos em criptomoeda — que alguns países, aliás, já utilizam para a sua própria unidade de conta.
As CBDCs, sigla para "Central Bank Digital Currency", são moedas digitais emitidas pelos bancos centrais, isto é, versões virtuais do dinheiro tradicional. O Banco Central do Brasil planeja começar a utilizar sua própria moeda digital, chamada de "Drex", ao longo de 2025, de acordo com a Agência Senado.
No entanto, a proposta do BRICS é diferente: deseja-se criar uma nova unidade de conta (em forma de criptomoeda) que permita o comércio entre os países, o que ameaçaria de forma direta a prevalência do dólar nas transações internacionais — a China e a Índia, ambas membros do BRICS que, juntas, concentram a maior parte da população mundial, estão entre as cinco maiores economias do mundo.
Nos últimos anos, a hegemonia do dólar já fora ameaçada pela internacionalização da moeda chinesa, o renminbi, que tem se tornado mais relevante com o crescimento desse país e das suas redes de comércio globais — a China já é considerada a maior economia de exportação do mundo —, além da iniciativa One Belt, One Road (o cinturão econômico chamado de "nova roda da seda").
Mas as ameaças nunca foram tão contundentes — o dólar continua a ser o ativo financeiro mais estável para as transações financeiras internacionais. Se depender de Putin, no entanto, a onda de crescimento do século XXI "não vai se concentrar na Europa ou na América do Norte".